Fecho a porta. Giro a chave. Mantenho-me calada.
2 dedos de whisky e um cubo de gelo. Viro. Deleito-me
Na parede uma escultura do Niemeyer, olhando pra mim, com todas suas curvas geométricas matematicamente equilibradas.
Mais uma dose, choro.
Cada ângulo desse cômodo me faz lembrar nós dois. Cada suspiro meu me faz querer de volta suas pernas entrelaçadas, seu braço me esmagando num abraço efêmero. Suas entranhas vibrando em meu tórax, suas unhas cravadas no meu dorso. Sua barba roçando em mim. Dias sim, dias sim também.
No gozar, a lamentação. Momento eterno que teve fim. Olho no olho. Boca na boca.
5 minutos, e você se foi. Prazer masculino, sempre assim.
Quem sabe um dia não chegará o momento em que você não se levante, não fale, não exclame. Simplesmente aproveite, fique fixo, adormeça.
Quem sabe.
E tudo que foi já é, e não mais seria. E tudo que não foi, passou, como quem não queria. E tudo se repete, como música que não sai da moda, e tudo se lamenta, como a moça da janela que chora a esperar seu novo amor. E tudo vira névoa, como névoa que vira dor.
Relapsa. Bebo mais uma dose, embriago-me de saudades.
Destilo pensamentos num Jonhy de anos e anos. Escuto um blues, absorvo-me. Mudo o disco, agora é heavy metal.
O sol dá suas caras, olho para a porta, nada.
Olho o relógio. Hora de levantar.
Olho para a fora, a vida que chama.
Mas existiria vida com essa dor que me maltrata? Existiria prazer sem o afagar de nossas relações? Existiria desprezo maior que nossa indiferença póstuma? Existiria rastro algum de nós dois? Nem mesmo Freud explica.
Lavo a alma a 14 graus. Me arrumo pro matadouro da metrópole carioca.
Sorrio para não chorar.
Abro a porta. Giro a chave. Mantenho-me livre.