sexta-feira, 31 de agosto de 2012

ordem e progresso

Não fazia sol há dias. O mundo permanecia num estado de neblina interminável. Homens e mulheres saqueavam corações, roubavam a luz para haver apenas escuridão. Filhos eram mortos por negligência. Chovia, tempestade de lágrimas caiam dias após dia. A esperança havia desaparecido, o medo e a angústia faziam guarda nas portas das casas. A solidão era mãe de todos os cidadãos. Nada parecia possível de mudar. Tudo parecia natural.
No alto de um morro, escuro como o dia, havia um casebre abandonado. Na janela do último andar, podia-se avistar uma menina de cabelos brilhantes, olhar vivo(o que era raro no mundo atual), ela era mais como uma pintura, alguém inalcançável. Seu nome era Lara, e seu sorriso iluminava o cômodo. Se alguém tentasse falar com ela, sumia como poeira no vento. Ninguém jamais havia escutado o som de sua voz, chamavam-a de fantasma, de luz divina. Rezavam para ela, como se reza para um santo, clamavam para que descesse e pudesse ser tocada, vista. Mas ela nunca desceu, não até hoje, simplesmente observava o mundo da janela do último andar como se estivesse a esperar. Mas o quê não se sabe.
Os meses que se passaram foram de tornados e tufões, clima gélido e apagado. As mentes eram dominadas por pensamentos de morte e corrupção. As ruas estavam desertas, tamanha a taxa de mortalidade que se deu nos últimos dias. Morriam de tristeza, abandono. Não havia mais amor, as crianças nunca ouviram falar disso, pensavam que era uma lenda. A saudade também estava extinta, só havia a presença, contínua e firme. O presidente tinha perdido também a amizade, último decreto antes de sua morte: PROIBIDO AMIZADE.
Lara, sorria, cada dia mais, dia após dia, ela sorria. Parecia que quanto mais escuro e sombrio fosse o mundo mais brilhoso ficava seu sorriso, mais vivo ficava seus dias. Era como se Lara se alimentasse do ódio e da raiva alheia, fonte de sua sobrevivência.
Foi numa noite escura como todas as outras, que tudo aconteceu. Eram por volta de 2 da manhã, quando homens, mulheres e crianças invadiram o casebre, com armas e facas à mão, dispostos a roubar o brilho de Lara, a matá-la se preciso for. Subiram até o último andar, arrombaram a porta, ela olhou assustada, não havia imaginado que causava tanto desprezo nas outras pessoas, se achava imune a tudo e a todos. Cortaram seu cabelo, amarram na cama, arrancaram seus dentes, tão brilhosos, a cegaram e foram embora. Deixaram-na ao léu, sozinha.
Lara não podia sorrir, não podia ver, não podia observar o mundo que tanto prezou. E assim, sem forças, sem poder, tinha expulsado também a última coisa que faltava: a felicidade!
Os dias permaneceram iguais, agora não existia mais nada que pudesse reverter essa situação. O mundo agora era o que sempre foi. Pueril. Seus cidadãos permaneciam em suas casas escuras e sombrias, e tristes e infelizes. Permaneciam em eterno estado de dever cumprido.

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