quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O anel

- A mão esquerda de Claudia, a aliança de ouro no dedo anular, o forte que era aquele Zé baixando, fraco, na cadeira. Pipa voadora no ar parado, descendo, descendo, sem outro remédio que não fosse, como sempre, grudar-se ao chão daquela mulher. Se durante tanto tempo havido sido assim, por que seria diferente agora? Questões de leis da física. Gravidade. Atração dos corpos. Desde a noite dos tempos era assim, e nas noites do apartamento em Copacabana também.
Antes, sobre a mesa, ele tinha notado um copo só: o dela. Em todos os dicionários de sinônimos visuais do mundo, aquela unidade equivalia a uma outra, muito obvia, muito lógica. Claudia estava sozinha. Mas apenas circunstancialmente sozinha, como ele agora via, com a chegada do Marcelinho e seu beijinho no cantinho do lábio dela.
Mulheres como Claudia sempre tem alguém, essa é a verdade, com ou sem aliança de ouro, e mesmo quando estão no Capela numa noite de sexta-feira, bebendo, sozinhas.
De longe, Cícero o decretou, com o olhar, perdido.
Marcelinho não se sentou. Saiu pelo Capela cumprimentando os garçons, parou na mesa de alguém a caminho do banheiro. O homem do diminutivo era a popularidade encarnada. Não precisava sequer sentir ciúmes de sua morena-loura bebendo em companhia de outro homem. Provavelmente era impensável que qualquer outro tivesse condições de substituí-lo no coração de Claudia, pensou Zé.
- você esta bem, Zé – ela disse, e ele chegou a abrir a boca pra responder, mas percebeu a tempo que ela não tinha perguntando nada. Não havia uma interrogação na frase, ela não queria saber como ele estava bem, ela apenas decretava, afirmava, informava que ele estava bem. Essa era a Claudia.
- você também – ele disse, e no conjunto das verdades e meias-verdades que compartilhara com ela ao longo de dois anos, nenhuma tido sido tão verdadeira.
Ela estava ainda mais merecedora do aperto no peito do sujeito-homem Zé do que naquele dia já distante (no tempo, não tanto na memória) em que trocava beijos dentro de um Fiat Uno vermelho. O salva-vidas era só mais um daqueles garotos da praia, com a maresia dentro da cabeça, como é que Claudia pôde descer tão baixo, ele se perguntou mais uma vez, em silencio. Olhava pra ela, para a santíssima trindade de sue queixo e seus seios no decote, e no meio do caminho o pescoço liso e sempre fresco, sempre. Olhava para a aliança no dedo, aliança de casamento, olhava para o chope diante do seu, no copo suado.
Será que a aliança era a prova da capitalização definitiva de Claudia ao Marcelinho? Será que o Marcelinho era salva-vidas? Zé disfarçou um olhar na direção do sujeito-homem. Bem vestido. Talvez tivesse dinheiro. Será que era jornalista? E daria a Claudia apartamento grande, empregada, filhos, cartões de crédito? As fantasias passavam pela cabeça de Zé em flashes carnavalescos, em alas da Portela. Enredo: os ciúmes do sujeito-homem Antônio José Pereira da Silva.
Enquanto Marcelinho passeava sua popularidade pelo Capela, Claudia e Zé trocaram umas frases simpáticas. Perguntaram um pela vida do outro. O que andavam fazendo. Trabalho. Irmãos de uma, sobrinhas do outro.
Mais uma vez, Zé percebeu que tinha chegado ao ultimo gole do chope. No silencio do copo vazio, ele tomou coragem, pigarreou. E disse, olhando para Claudia em cheio:
- Percebi a aliança no seu dedo
Ela sorriu com todos os seus dentes, todos eles, abaixando os olhos para mesa.
- Presta atenção na minha aliança, Zé. Ela aproximou a mão.
Humilhação, ele pensou. Como se não bastasse o salva-vidas, agora ela precisava exibir aquela naco de ouro amarelo diante dos olhos dele, a prova de que Zé era um sujeito-homem do passado.
- Presta bem atenção, Zé. Não está se lembrando?
Aí, então, com a autorização dela, ele se lembrou.
Abriu a boca sem palavras, nem o numero 33 veio em seu socorro – nada. Ele procurou o copo sem bebida.
- Você não tem mesmo jeito – Claudia disse. Já tinha esquecido é? – e ela girou a mão esquerda no ar, para um lado, para o outro.
- Este anel foi você quem me deu, Zé.

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